Um dia, estava eu muito sossegada, sentada num banquinho a comer pão com manteiga. À minha volta ecoavam frases feitas. Bem intencionadas e bem direcionadas. Quem quer que as tivesse cozinhado tinha acertado no tempero. Pelo menos, assim parecia. A que mais ouvia era: “Trabalha. Estuda. Um dia serás alguém.” Aquilo ficou-me. Então, também quis ser alguém.
Passou tempo e mais tempo e não havia meio de me parecer que já estivesse a ser alguém. Desde a escola primária aos estudos mais adiantados, nada. Tudo normal. Comecei a trabalhar, a mesma coisa. Começava a inquietar-me com este atraso. E se nunca chegasse a ser alguém? Vivia em pânico.
Mas, um dia tudo mudou. Fizeram-me Alguém. Foi por decreto. Comuniquei de imediato ao Mundo. Estava a ver que era ali que o Mundo se rendia a meus pés. Parecia mesmo. Afinal, verificou-se depois, eu estava mesmo a precisar era de óculos. Mas lá no bairro, na paróquia e no meu prédio era um orgulho terem-me entre eles. Bem feito pró Mundo que me ignorou! Só que não tardou que viessem as invejas. As macumbas. Sofri. E, num dia, sem dar conta, retiraram-me da lista dos “Alguéns”. Também por decreto. Agora era outra vez Ninguém. Fiquei a pensar no acontecido. Dias e dias de reflexão aturada e estuporada, acompanhada de bules e bules de chá de tília. Cheguei-me a uma estante e escolhi um livro de autoajuda. Li um parágrafo. Percebi tudo.
Afinal, quantos “Alguéns” há neste mundo? Tantos, que nem é bom falar. E “Ninguéns”? Pensei um bocadinho e enumerei os que conhecia: Ulisses, o Romeiro de Almeida Garret e, agora EU.
Toma, Mundo! Quem ri por último, ri melhor!
Há sempre “uma primeira vez” para tudo…que nem sempre é boa… embora nunca a esqueçamos.
Beijinhos.
Bom dia, Elisa. São caminhos que fazemos.
Boa semana.
Beijinhos,
Mia
Dos melhores desabafos que já li por aqui:) Beijinhos e boa semana!
obrigad, Manuela.
Uma boa semana.
Beijinhos,
Mia
Carlos Lyra tem um sambinha (bossa nova) intitulado “Maria Ninguém”… 🙂
Só um grande, para conhecer outro grande . 😀
não é grandeza, é que sou fã de bossa nova… se eu não conhecesse, passaria vexame 😀
vexame? adoro essa palavra.a forma como é dita… 😀
há palavras assim, que causam boa impressão. tenho em casa um livro sobre estilística da língua portuguesa que traz alguns exemplos de palavras que causam boa impressão sonora a estrangeiros. uma delas é “menina”. 🙂
eu gosto de tantas ditas assim com essa musicalidade…descobertas na música que daí vem, e até nas novelas, que, para mim, não são género menor. gosto de tantas, mas tantas. 😀
as expressões de “sinhôzinho malta” do “prefeito de sucupira” da novela “gabriela”…ficaram e são muitas repetidas. eu tenho um acervo delas!!! 😀
pois é, muita gente elogia a palavra “saudade”, mas é pelo conteúdo, não pela sonoridade. quanto aos nomes que vc cita, Dias Gomes realmente gostava de nomes assim. 🙂
Interessante. Pelo visto, não foi só o livro escrito por outrem. Tudo indica que o prefácio também…
Embora tentem incutir-nos tal coisa, não há ninguéns, apenas alguens, uns maiores outros mais pequenos, mas todos somos alguém. Beijinho Mia
tens razão, GM. Mas isto do “Ninguém” sempre me fascinou na literatura, embora eu não conheça muito, mas quando Ulisses diz a Polifemo que o nome dele é “Ninguém” safou-se assim, de morte certa por parte dos ciclopes, e depois, o “Ninguém” na pessoa do romeiro (D. João de Portugal) do Frei Luís de Sousa, quando lhe perguntam quem é, e ele, naquela voz grave (no filme) responde “Ninguém” …que queres? fascina-me!
🙂
Ás vezes também sinto q ue não sou ninguém e que nunca mais chego a ser alguém. Mas depressa me apercebo que há muitos ninguéns para quem eu sou alguém 🙂
Bem visto, Ana. 🙂